quinta-feira, 30 de setembro de 2004

Quem

Pergunto-me se ainda me conheces se me olhares nos olhos, se ainda sabes o que sinto (mas se nem eu próprio sei o que sinto!). Provavelmente, tudo quanto digo é na esperança de ouvir a resposta que quero.

quarta-feira, 29 de setembro de 2004

Estética

O gosto pela estética na vida é apenas cultivado quando confinados à obrigatória solidão. É, então, uma forma de nos pensarmos em controlo da nossa própria vida, uma forma de iludir os outros em pensar que se trata de uma nossa opção.

terça-feira, 28 de setembro de 2004

Nascente

Por onde passastes já, a tua marca indelével. Hei-de descobrir onde nasceste, a tua origem. Encontrar-te-ei em pureza, com toda uma marca por deixar.

domingo, 26 de setembro de 2004

sábado, 25 de setembro de 2004

Retratos

Há, no contacto com retratos em movimento, uma aproximação à existência e um afastamento da realidade. Porque não são sinónimos. Quando nos sentimos existir, não o ligamos a uma imagem exterior, mas a uma vivência intelectual. Descobrir os nossos movimentos, as nossas expressões, é descobrir que existimos no mundo. Mas na observância deste mundo apenas descobrimos a mecânica dos gestos. Lança-se, pois, novamente a questão do que somos e porque o somos. A imagem é o retrato do que representamos.


Sobre CHANT portraits, de Luciana Fina

sexta-feira, 24 de setembro de 2004

Contemplação

Foi quando mais te amei. Num dia de chuva, em suspenso, de guarda-chuva aberto em uma das mãos, observei o teu riso, sempre espontâneo. Sabia que não me sabias ali. Afastei-me sem que o soubesses, sem querer que o soubesses. Foi quando mais te amei.

quinta-feira, 23 de setembro de 2004

Mentira

Habituámo-nos a pensar que são as intenções por detrás dos actos que mais importam. Mas só temos acesso às manifestações, e se estas não coincidem com a intenção, dificilmente acreditaremos nela. Temos o acto, as coisas aconteceram assim, independentemente das palavras do outro dizerem o contrário.

quarta-feira, 22 de setembro de 2004

Contentamento

Levamos a vida a tentar juntar momentos de estúpida alegria, e chamamos-lhe felicidade. Quanto mais momentos conseguirmos juntar, maior a felicidade atingida na vida. É como uma colecção de cromos. Para se ser constantemente feliz há que se ser constantemente estúpido. Alegres e contentes. Contentas-te?

terça-feira, 21 de setembro de 2004

segunda-feira, 20 de setembro de 2004

Emancipação

Recordo-me de quando encontrar-te me era urgente. Era, então, uma felicidade. Não uma felicidade qualquer, mas uma felicidade salvífica. O meu amor por ti era a minha dependência de ti.

domingo, 19 de setembro de 2004

sexta-feira, 17 de setembro de 2004

Favor

Reparem bem nos vossos actos de caridade, de solidariedade, de ajuda, de amizade. O maior poder jamais concedido a alguém é o de ser-se necessário e não se necessitar.

quinta-feira, 16 de setembro de 2004

Desconfiança

Porque receiam as pessoas tomar responsabilidade sobre o que lhes não pertence? Porque se evadem? Fogem para as não ter de enfrentar, ou com elas conviver. Fingem que não existem, ou, quando se lembram, olham de soslaio, com desconfiança.

quarta-feira, 15 de setembro de 2004

Crença

Acreditas que existe. Queres alcançá-lo. Logo, irás alcançá-lo. Mas aquilo que alcanças é um mito que criastes para a tua própria satisfação.

terça-feira, 14 de setembro de 2004

Viver

O que é toda a vida em sociedade senão um mais acessível entretenimento? A solidão pesa, porque a verdade, a vida, é tão pesada quanto ela. A vida é maior do que a podemos suportar, e por isso tudo fazemos para a esquecer. E é quando sentimos não viver que o descobrimos. É quando toda a ilusão se torna demasiado óbvia. Mas o que é viver? O que é necessário para que nos sintamos vivos?

segunda-feira, 13 de setembro de 2004

Impossível

Como é possível, depois da apropriação do corpo de outrem, conseguir viver só? – não sou já suficiente - Mais, como é possível sobreviver à rejeição depois do despojamento físico? – consenti na minha própria violação - Como é possível viver depois de o mundo acabar?

domingo, 12 de setembro de 2004

Vida

A vida é o que em mim é maior do que eu.

Ambição

Há o excesso de nós, que é o que pretende realizar, e há o sem sentido dessa realização. Há o excesso de nós em tudo quanto não somos, e há o sem sentido de existirmos e sermos nada. Porque a realização que pretendemos se situa fora de nós, que é onde nada existe.

sábado, 11 de setembro de 2004

Identificação

No acto da identificação, há sempre alguém que se move no sentido dessa mesma identificação. Porque ninguém pode sentir o que só nós sentimos, sendo nós que o sentimos. Mas é melhor que nos identifiquemos com alguém, pois minora a responsabilidade de quem somos, sendo nós outro que não nós próprios.

sexta-feira, 10 de setembro de 2004

Exterior

O que é que de nós fica quando anulamos todo o exterior? Quando toda a percepção possível recai sobre a nossa própria existência? Porque esta é a única de que podemos estar certos. Mas a certeza da nossa existência não acompanha a compreensão de nós mesmos. A anulação da projecção do que somos relança a questão do que somos, pois deixamos de nos podermos identificar com a nossa própria imagem, que é o que projectamos para o exterior.

quinta-feira, 9 de setembro de 2004

Acusação

Onde quer que esteja, o mesmo olhar acusatório. Quem és? Não te conheço. O que estás aí a fazer? Volta para onde pertences, para onde a tua presença não é aberrante. Incomodas-me. Volta às normas que te foram estabelecidas.

segunda-feira, 6 de setembro de 2004

Abismo

Fecha os olhos, e de imediato procuras alcançar o mundo com as mãos, com o corpo. Eram os olhos que te conferiam a tangibilidade sem necessidade de te moveres. Agora dá um passo em frente, e apercebe-te que o mundo não está já aí, ao mesmo nível da perna que te mantém. Como sentes o abismo?

domingo, 5 de setembro de 2004

Mácula

Passei toda a noite fora. Trago cheiros impregnados no corpo, imagens estampadas na cara. Não vou lavar-me (não vou evadir-me), vou deitar-me a teu lado até que sintas a minha presença. Quero que saibas onde estive, que me olhes com esses teus olhos sem mácula.

Dissimulação

Num gesto de fingida ternura, seguida de trivial pergunta sobre a minha tristeza, as lágrimas são quase inevitáveis. Mas afinal a preocupação e a ternura eram apenas fingidas... não há razão para agravos.

sábado, 4 de setembro de 2004

Silêncio

É no silêncio que mais nos escutamos. E é precisamente por isso que o não suportamos. As verdades que custam ouvir são aquelas que se não proclamam.

Lágrimas

Que pela tua face correm, enquanto cerras violentamente os teus olhos num vão esforço de não veres. Mas não sei aquilo que vês e não queres ver. Estou malditamente preso a este corpo, e só com ele te posso reconfortar.

sexta-feira, 3 de setembro de 2004

Caneta

Já a esquecemos de admirar. Observar de perto o seu contacto com uma folha de papel, a sua marca enquanto nesta a deslizamos com precisão. Já nos esquecemos do excessivo esforço de concentração para dominar aquela mão, que mais parece não nos pertencer.

Absurdo

As palavras que te adivinho, são aquelas que enuncias. Observo os teus gestos mecânicos. São os que me dizem do teu absurdo. De tudo quanto para além de mim existe.

Relógio

Nunca antes houvera observado um relógio. Descobri-lhe a sua cadência constante, o seu ritmo concertante. Quem o inventou não o fez de acordo com a vida.

quinta-feira, 2 de setembro de 2004

Intimidade

O que é este corpo que sinto estranho ao meu? Que responde ao meu contacto (estremece) e me estimula só do seu calor? Não deveria existir vida além de mim, e no entanto sinto-me sem vida perante ti.

quarta-feira, 1 de setembro de 2004

Morte

Uma existência vazia, solitária. A consciência da ausência. Um absoluto nada.

Vida

A solução para o enigma da vida apresenta-se de ilimitadas formas. O fulgor físico, o fulgor mental. A presença de vontade, a presença de actos. A possibilidade de que nada existe para além do que percepcionamos, a possibilidade de tudo quanto percepcionamos não passar de mera ilusão. A vida como forma, a vida como o que forma. É isso. Não será? A história das ideologias evoluiu dicotomicamente, e radicalizou dois discursos aos quais não criamos uma alternativa credível.