domingo, 26 de novembro de 2006

Insubstituibilidade

Costuma dizer-se que não existem insubstituíveis. Mas ninguém age como se isso fosse verdade. E, no fundo, é sempre esse o motivo pelo qual reagimos ao desaparecimento de alguém.

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Presente

O presente é o ponto de intersecção entre memória e expectativa.

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Oportunismo

O saber científico é um saber por aproximação. Por se tratar de um saber construído empiricamente, nunca está errado de todo. Mas não estar errado, não significa que esteja certo. As certezas científicas sempre estarão sujeitas à falsificabilidade, o que significa que têm um carácter virtualmente transitório. De que me serve uma certeza da qual eu não posso ter a certeza? Os sucessos da ciência moderna dependem grandemente do senso comum. Ou seja, resumem-se a experiências, deliberadas ou ocasionais, de cujos resultados podem retirar proveitos. A ciência é oportunista.

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Entendimento

O entendimento entre duas pessoas, nunca o é de ideias, mas sim de almas.

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

terça-feira, 18 de julho de 2006

Investimentos

É como dá a entender Clarice Lispector: as pessoas são, para nós, investimentos. Nunca saberemos ao certo que retorno esperar delas.

sexta-feira, 9 de junho de 2006

Ausência

Não é o tempo que tudo cura, mas sim a distância. Perco o significado que tens para mim, quando me habituas à tua ausência.

quarta-feira, 31 de maio de 2006

Equação

Teremos nós razões para gostarmos de quem gostamos? Será o amor, ou até a empatia, um fenómeno racional? A verdade é que temos dificuldades em aceitar a segunda tese. Mas ela decorre da primeira, da qual não largamos mão. Todos pensamos que os nossos amigos o são pelas suas maravilhosas qualidades, as quais prontamente reconhecemos. Mas se assim é, a amizade redunda numa equação matemática.

quinta-feira, 20 de abril de 2006

Legião

Somos muitos, como o Legião descrito por S. Marcos no Novo Testamento. Somos muitos, um por cada momento em que somos.

quarta-feira, 29 de março de 2006

Neologismos

E eis que Deus chama o homem a participar da criação, quando é este quem nomeia os seres criados. Acontece que os seres criados já existiam antes de serem nomeados, mas só depois de serem nomeados é que passaram a existir. Por outras palavras: um mocho é já um mocho antes de ser um mocho? Mesmo Deus teve de esperar que o homem dissesse o que é um mocho, para que ele soubesse o que era um mocho. Não que ele não soubesse o que um mocho é, apenas não sabia que aquilo que o mocho é era um mocho. A nomeação é a forma de criação exclusivamente humana, o acto que nos faz participar da divindade. Hoje já pouco resta desta actividade criativa. Tudo quanto hoje se nomeia, resulta de uma composição daquilo que foi já nomeado: a informática é a ciência da informação. Há muitos séculos que o homem sabe o que é uma ciência e o que é a informação, apenas se não lembrou mais cedo de juntar os dois conceitos. O progressivo desaparecimento de línguas agrava a situação, pois perde-se um sistema de nomeação das coisas que é intraduzível, como todas as línguas o são. Por fim, a crise das línguas é também a crise das artes. Não podemos criar enquanto não aprendermos novamente a nomear.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Saber

Não sei já aquilo que soube. Quanto muito, tenho alguma memória, de maior ou menor intensidade, daquilo que soube. Por isso escrevo. De alguma forma, tento fixar um momento de pretensiosa lucidez. Mas quando leio o que escrevi, e que já não sei, não tenho já possibilidade de entender esse saber. Ignorantemente, fico com a consolação de um dia ter sabido.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

Factos

Em questões de facto, ninguém tem razão. Em questões de facto, consulta-se a enciclopédia. Um facto não se deduz a partir de determinadas premissas. Um facto limita-se a sê-lo.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Licenciosidade

O paradoxo de todos os fenómenos associados à liberdade é a sua permissão e assimilação (que não significa diluição) de fenómenos contrários à liberdade. Foi assim com a ascensão de Hitler na Alemanha democrática, e com o cristianismo (religião exclusivista) no seio de um Império Romano pautado por uma prática de liberdade religiosa. Uma vez mais, estes mesmos radicalismos colocam hoje em causa uma civilização que foi construída: a ausência de liberdade religiosa coarcta a liberdade de expressão, alimentando-a e extremando-a. Esta, por sua vez, coarcta a ausência de liberdade religiosa, alimentando-a e extremando-a. Se é evidente que a solução só pode passar por uma moderação consentida e habitada, já não é tão evidente o caminho para a atingir. A descompensação de uma das partes pode não trazer consigo a proporcional descompensação da outra parte.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

Submissão

“If you love him, you must trust him, bad or good”, dizia o agente de Dixon Steele (Humphrey Bogart) a Laurel Gray (Gloria Grahame) no filme In a Lonely Place, de Nicholas Ray. Mais que uma prova de amor, a confiança torna-se assim uma prova de submissão.

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

Escondido

Em cinema, ou na televisão, os meios de produção encontram-se escondidos do público, mas esses mesmos meios de produção integram o actor enquanto tal. Por outras palavras, o actor sabe que se encontra a representar porque se encontra inserido numa lógica de encenação. Encenação esta que assume uma pretensão de realidade para o público. Mas o que aconteceria se o actor ignorasse os meios de produção? O que aconteceria se um actor falhasse no reconhecimento do seu próprio acto de representação? A encenação de que o actor faria parte assumiria, então, uma pretensão de realidade para o próprio actor. Caché (Escondido, Oculto, Dissimulado) desconcerta sobretudo, porque nos obriga a uma identificação com os personagens, simultaneamente dissimuladores e autênticos. Poderemos afirmar com Georges que não temos “nada a esconder”?

sábado, 21 de janeiro de 2006

Novidade

Há uma permanente busca pela novidade que é intrínseca ao ser humano. E é este o principal motivo pelo qual o homem jamais se deterá na verdade, pois esta se pretende imutável, imóvel e imperecível. Se o homem estiver certo, não deixará por isso de inventar uma qualquer novidade que a substitua.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

1984

Existe o preconceito de que a big brotherização consiste numa violentação da dignidade humana, em tudo quanto ela tem de direito de privacidade. Compreendeu-se que o homem possa consentir nessa vigilância de que é alvo, mas esqueceu-se que o homem desejou essa mesma vigilância. E foi o que Orwell também não previu. Atente-se à proliferação de blogues e fotologues ditos pessoais, e como eles constituem modos de acesso a um campo que se pressupunha estritamente familiar. Em última instância, caminhamos para um mundo ausente de qualquer sentimento de estranheza ou indiferentismo, e, consequentemente, de novidade.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

Pedagogismo

Um pedagogo não pode ser um explorador de potencialidades, mas justamente um potenciador.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Discernimento

Do lado de lá de uma televisão noticiava-se um qualquer conflito internacional, um massacre, ou os números da morte por subnutrição na Etiópia, já não sei. Do lado de cá expressava-se o espanto pela gravata do jornalista.