terça-feira, 30 de novembro de 2004

Ânimo

Oh Vida! Oh Espanto! Oh Deus! Soubesses a fome que de ti tenho, e me consome. Ah, juro que virarei o Mundo do avesso e que em mim te farás verbo e carne.

segunda-feira, 29 de novembro de 2004

Sente

Pára. Não escutes. Não ouças. Não olhes. Não vejas. Aquilo que sentes é a tua há muito perdida inocência, quando nada tinha significado mas tudo fazia sentido.

sexta-feira, 26 de novembro de 2004

Acusação

Há quem acuse aqueles que permanecem silenciosos na defesa dos direitos adquiridos, na defesa do que é justo, na defesa dos seus próprios interesses, que pretendem universais. Há quem acuse aqueles que estrebucham propaganda panfletária reivindicativa, pela qual visam obter as maiores mordomias através do menor esforço. Entre os dois, não será mais razoável aquele que não acusa?

quinta-feira, 25 de novembro de 2004

Logros

O homem sempre foi um ser teleológico. Sempre caminhou para um futuro que sabia determinado, e sempre soube que não seria ele próprio a viver essa finalidade para a qual actuara e em função da qual vivera. Podemos imaginar a frustração de Marx se este soubesse que, afinal, a humanidade não caminha inevitavelmente para a igualdade de classes.

terça-feira, 23 de novembro de 2004

Desglobalização

A perfeição é a unidade. É por esse motivo que a humanidade é tão plural.

domingo, 21 de novembro de 2004

Arafat

Reparo agora que usam a palavra “autodeterminação” com demasiada veleidade. Porque esta pressupõe uma força independente que se impõe do interior para o exterior. Mas a sociedade não aceita que se lhe imponham, enquanto a determinação que se pretende é precisamente no seio da sociedade. A Palestina é um exemplo de uma nação que nunca se autodeterminará, antes sendo a própria comunidade internacional que tomará, ou não, a iniciativa de a integrar.

quinta-feira, 18 de novembro de 2004

Cosmos

A ciência assenta no pressuposto de que a natureza, enquanto conjunto de fenómenos a ocorrer no mundo, obedece a leis fixas, dadas determinadas composições sujeitas a um movimento e interactividade relacionais. Esta rigidez de comportamentos pode ser encarada como um dado adquirido do próprio mundo, ou como uma dotação de uma outra qualquer existência (como seja Deus). Ou o mundo é auto-suficiente e a natureza passível de ser considerada uma divindade em si – panteísmo – ou depende de uma existência que lhe é superior – deísmo. Penso que é dentro destes contextos que deve ser questionada a intrigante existência humana. Ou ela é um acidente da natureza ou, pelo contrário, uma determinação que, enquanto tal, adquire uma significação que lhe é dada.

quarta-feira, 17 de novembro de 2004

Sujeição

Respeita os mais velhos, que os mais novos o não merecem. Honra a teu pai e tua mãe, e desonra a teus filhos.

segunda-feira, 15 de novembro de 2004

sábado, 13 de novembro de 2004

Norma

O ódio à normalidade advém da incapacidade de se ser normal. É uma forma de nos afirmarmos junto de quem nos segrega. Porque caso o não fôssemos, ou houvéramos sido, teríamos todo o gosto pela normalidade.

quinta-feira, 11 de novembro de 2004

Ruptura

Há estados de conflito interior que exigem uma ruptura com o exterior. É quando o quotidiano nos enclausura, quando o hábito nos comprime, quando a vida nos reclama.

quarta-feira, 10 de novembro de 2004

Ilusões

A desilusão deveria ser a maior felicidade humana. Só o não é porque preferimos a felicidade ignorante, a realidade aparente, a falsa correspondência com as nossas aspirações.

segunda-feira, 8 de novembro de 2004

Limite

Não basta fazer bem aquilo que se faz. É preciso fazer sempre mais e melhor, até ao sem limite das nossas capacidades.

domingo, 7 de novembro de 2004

Logos

A racionalidade é a maior fatalidade humana. Quando a não observamos no mundo tangível, imaginamos uma ordem absoluta que nos transcende. E se a razão não tem razão?

sexta-feira, 5 de novembro de 2004

Amizades

Encontramos uma amizade quando nos sentimos suficientemente confortáveis para nada dizer. Mas as amizades também acabam quando já nada há a dizer, ou quando já nada vale a pena ser dito.

terça-feira, 2 de novembro de 2004

Imortalidade

Se há questão que deverá sempre ser levantada, é a questão sobre a vida. Só esta nos poderá fazer tender para aquilo que somos, os nossos sonhos, amores, dores e ânsias. A questão sobre a morte não tem sentido, porque a própria morte não tem sentido. Não podemos pensar a ausência de nós mesmos, porque ao pensarmos-la estamos já a ser alguma coisa1. Mas e a morte em vida? Sermos sem sonhos, sem amores, sem dores e ânsias2? E a vida na morte, que é aquela pela qual actuamos, de modo a que não sejamos esquecidos, de modo a que continuemos presentes, mesmo depois de já não sermos3?

1João César das Neves, Rascunho da Vida (dn 1 de Novembro de 2004)
2Vergílio Ferreira, Posfácio à obra Apelo da Noite
3Milan Kundera, A Imortalidade

segunda-feira, 1 de novembro de 2004

Fátima

Onde a paixão pela Regina Sacratissimi Rosarii? No antes e depois de um estalo dado a quem jurámos amar? Onde o fervor religioso? No objecto de plástico comprado a um euro no quiosque da esquina? Onde o respeito por quem dizem tudo dever? Nos escassos segundos de permanência numa basílica, enquanto se espera pelo momento certo para um disparo fotográfico? (Reduzir o transcendente a uma forma sólida, visível, tangível, acessível)