sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

Chagas

Não só nos orgulhamos das nossas próprias cicatrizes, como fazemos questão em constantemente as fabricar e exibir. O processo é fácil e conhecido. Passa por pretendermos especial a nossa relação com outra pessoa, para a justificarmos, tornando uma palavra, uma despedida, um local, uma música “só nossas”, para quando essa relação já não existir evitarmos essas mesmas palavras, despedidas, locais, músicas, ou exprimirmos a nossa profunda dor aos seus mais remotos murmúrios, numa tentativa de nos humanizarmos aos olhos dos outros. (Reparem que aqui, o que caracteriza e torna especial uma relação não são duas pessoas, mas o contexto em que ela decorre.) E assim a nossa história é a história das nossas pretensas relações, no modo como nos marcam e nos forçam a excluir segmentos da realidade exterior. São traços de personalidade que se definem pela sua ausência.